16 dezembro 2021

auto-retrato em fundo cinza/diamante

"Well people I've been here before

I know this room and I've walked this floor

You see I used to live alone before I knew ya

And I've seen your flag on the marble arch

But listen love, love is not some kind of victory march, no

It's a cold and it's a broken Hallelujah

Hallelujah...

There was a time you let me know

What's really going on below

But now you never show it to me, do you?

And I remember when I moved in you

And the holy dove she was moving too

And every single breath we drew was Hallelujah"


19 outubro 2021

nove anos sem ele

 


A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
- Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? -
Manuel António Pina
in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

02 outubro 2021

entre nós

Nada entre nós tem o nome da pressa.

Conhecemo-nos assim, devagar, o cuidado

traçou os seus próprios labirintos. Sobre a pele

é sempre a primeira vez que os gestos acontecem.

Porém,

se se abrir uma porta para o verão, vemos as mesmas coisas –

o que fica para além da planície e da falésia; a ilha,

um rebanho, um barco à espera de partir, uma palavra

que nunca escreveremos.

Entre nós

o tempo desenha-se assim, devagar.

Daríamos sempre pelo mais pequeno engano.

Maria do Rosário Pedreira

29 setembro 2021

a fenda

“De repente, deixo de ouvir a música e só o meu coração bate. Paro no meio do salão de baile. Um susto: não sei dançar. Parece que qualquer coisa deu de si. Sinto um espaço entre mim e o meu corpo. Como se o meu corpo se tivesse desligado de mim. Uma fenda entre mim e o meu corpo. Mas talvez nada se tenha fendido. Talvez tenha sido sempre assim e eu nunca tenha reparado.”

Dulce Maria Cardoso in "Rosas"

15 agosto 2021

tempo e silêncio neste quarto

"Nada tão silencioso como o tempo

no interior do corpo. Porque ele passa

com um rumor nas pedras que nos cobrem,

e pelo sonoro desalinho de algumas árvores

que são os nossos cabelos imaginários.

Até nas íris dos olhos o tempo

faz estalar faíscas de luz breve.


Só no interior sem nome do nosso corpo

ou esfera húmida de algum astro

ignoto, numa órbita apartada,

o tempo caladamente persegue

o sangue que se esvai sem som.

Entre o princípio e o fim vem corroer

as vísceras, que ocultamos como a Terra.


Trilam os lábios nossos, à semelhança

das musicais manhãs dos pássaros.

Mesmo os ouvidos cantam até à noite

ouvindo o amor de cada dia.

A pele escorre pelo corpo, com o seu correr

de água, e as lágrimas da angústia

são estridentes quando buscam o eco.


Mas não sentimos dentro do coração que somos

filhos dilectos do tempo e que, se hoje amamos,

foi depois de termos amado ontem.

O tempo é silencioso e enigmático

imerso no denso calor do ventre.

Guardado no silêncio mais espesso,

o tempo faz e desfaz a vida."

Fiama Pais Hasse Brandão

09 julho 2021

Biblioterapia - A leitura como terapia complementar - Carmen Zita Ferreira

 10 DE JULHO DE 2021 - 18H às 20H (Portugal Continental)

                                           14H às 16H (Brasil)



22 junho 2021

...

Que merda a nostalgia – nasce na respiração
E fica demoradamente. A sombra
Por dentro dos olhos, a baba, o sono,
O excesso de sensibilidade nos dentes
E a pele susceptível à roupa. Tão próxima
Que queima e gela em simultâneo, dor
Tão pequenina que nem acciona
As reacções fisiológicas de defesa.
Os detritos da festa acumulam-se,
A memória ateia distantes fogachos
De felicidades impossíveis, gomos
De saudade, uma pena sem coragem
Ou ternura. Que merda a nostalgia,
Horizonte falsificado por linhas
Rectas de solilóquio pensado,
Luz que não vem ou vem em excesso,
Carga de ombro inesperada no meio
Do campo deserto. Que braços se abrem
Para deter a espuma amarelada
Com que a maré polui o areal?
 
Rui Almeida



17 maio 2021

era um pássaro alto

 

Era um pássaro alto como um mapa
e que devorava o azul
como nós devoramos o nosso amor.

Era a sombra de uma mão sozinha
num espaço impossivelmente vasto
perdido na sua própria extensão.
Era a chegada de uma muito longa viagem
diante de uma porta de sal
dentro de um pequeno diamante.
Era um arranha-céus
regressado do fundo do mar.
Era um mar em forma de serpente
dentro da sombra de um lírio.
Era a areia e o vento
como escravos
atados por dentro ao azul do luar.

                                        Artur do Cruzeiro Seixas

02 abril 2021

Entrevista na ABCPortugal Rádio - 02.04.2021

No Dia Internacional do Livro Infantil tive o prazer de ser entrevistada pela doce Paula Melo​, para a ABC Portugal Rádio.
Falámos de livros, de passado, de afetos, de covid-19 e de futuro. Espero que gostem tanto de ouvir como eu gostei de estar com a Paula. Obrigada!

22 janeiro 2021

Amanda Gorman

 

AMANDA GORMAN, poema dito na tomada de posse do presidente Joe Biden, tradução de CARLOS CAMPOS
A MONTANHA QUE ESCALAMOS
Quando chega o dia, perguntamo-nos,
onde podemos encontrar luz nesta sombra sem fim?
A perda que carregamos,
a travessia de um mar tão longo assim...
Enfrentámos a besta de frente
Aprendemos que a paz não é silente
E que as normas e conceitos do que é justo
Nem sempre são justiça
E ainda assim o amanhecer é nosso
antes de o sabermos
De algum modo nós fazemos
De algum modo, nós resistimos e testemunhamos
uma nação que não está quebrada
mas apenas inacabada.
Somos os sucessores de um país e de um tempo
em que uma menina negra magrinha
descendente de escravos e criada por uma mãe solteira
pode sonhar tornar-se presidente
apenas para se encontrar recitando para um.
E sim, estamos longe de ser polidos
longe da pureza
mas isso não significa que estejamos
a esforçar-nos para formar uma união perfeita
Estamos a esforçar-nos para formar uma união com um propósito
Para compor um país comprometido com todas as culturas,
cores, personagens e
condições do homem
E então levantamos os nossos olhares
não para quem está entre nós
mas para quem está diante de nós
Acabamos com a divisão porque sabemos
que, para colocar o nosso futuro em primeiro lugar,
devemos primeiro por de lado as nossas diferenças
Depomos as nossas armas
para que possamos estender os nossos braços
uns para os outros
A ninguém desejamos mal, a todos desejamos harmonia
Que o mundo diga pelo menos estas verdades:
Que mesmo quando sofremos, crescemos
Que mesmo em sofrimento, tivemos esperança
Que mesmo cansados, tentámos
Que estaremos para sempre ligados, vitoriosos
Não porque nunca mais conheceremos a derrota
mas porque nunca mais semearemos a divisão
As Escrituras dizem-nos para imaginar
que todos devem sentar-se à sombra da sua videira e figueira
E ninguém lhes causará medo
Se quisermos viver o nosso próprio tempo
Então a vitória não estará na lâmina que brandirmos
Mas em todas as pontes que construirmos
Essa é a promessa de clareira
A montanha que escalamos
Se ousamos
É porque ser americano é mais do que um orgulho que herdamos,
é o passado de que fazemos parte
e o modo como o reparamos
Vimos uma força que destruiria nossa nação
ao invés de a partilhar
Destruiria o nosso país se significasse adiar a democracia
E esse esforço quase teve sucesso
Mas embora a democracia possa ser periodicamente adiada
nunca pode ser permanentemente derrotada
Nesta verdade
nesta fé nós confiamos
Porque enquanto tivermos os olhos no futuro
a história olhará por nós
Esta é a era da redenção justa
Tememos quando começou
Não nos sentíamos preparados para ser os herdeiros
de uma hora tão terrível
mas no íntimo encontrámos a força
para escrever um novo capítulo
Para oferecer esperança e risos a nós mesmos.
Enquanto antes perguntávamos,
como poderíamos prevalecer sobre a catástrofe?
Agora nós afirmamos
Como pode a catástrofe prevalecer sobre nós?
Não vamos marchar de volta para o passado
mas para o que deve ser
Um país ferido, mas inteiro,
benevolente, mas ousado,
feroz e livre.
Não seremos mandados para trás
ou barrados pela intimidação
porque sabemos que a nossa omissão e inércia
será a herança da próxima geração
Os nossos erros serão os seus fardos
Mas uma coisa é certa:
Se fundirmos misericórdia com poder,
e o poder com o Direito,
então o amor será o nosso legado
e mudará o destino dos nossos filhos
Deixemos para trás um país
melhor do que aquele que nos deixaram
Em cada respiração do meu peito de bronze,
Ergueremos este mundo ferido para um mundo maravilhoso
Erguer-nos-emos das montanhas douradas do oeste,
Erguerer-nos-emos do nordeste varrido pelo vento,
onde nossos antepassados fizeram a revolução pela primeira vez
Erguer-nos-emos das cidades junto aos lagos dos estados do centro-oeste,
Erguer-nos-emos do sul queimado pelo sol
Reconstruiremos, reconciliaremos, recuperaremos
e em cada canto conhecido de nossa nação
e em cada esquina do nosso país,
o nosso povo diverso e belo surgirá,
batido e belo.
Quando chega o dia, saímos da sombra,
com vigor e sem medo
O novo amanhecer floresce à medida que o libertamos
Pois há sempre luz,
se tivermos a coragem para a ver
se tivermos coragem para a ser.
*
THE MOUNTAIN WE CLIMB
When day comes we ask ourselves,
where can we find light in this never-ending shade?
The loss we carry,
a sea we must wade
We've braved the belly of the beast
We've learned that quiet isn't always peace
And the norms and notions
of what just is
Isn't always just-ice
And yet the dawn is ours
before we knew it
Somehow we do it
Somehow we've weathered and witnessed
a nation that isn't broken
but simply unfinished
We the successors of a country and a time
Where a skinny Black girl
descended from slaves and raised by a single mother
can dream of becoming president
only to find herself reciting for one
And yes we are far from polished
far from pristine
but that doesn't mean we are
striving to form a union that is perfect
We are striving to forge a union with purpose
To compose a country committed to all cultures, colors, characters and
conditions of man
And so we lift our gazes not to what stands between us
but what stands before us
We close the divide because we know, to put our future first,
we must first put our differences aside
We lay down our arms
so we can reach out our arms
to one another
We seek harm to none and harmony for all
Let the globe, if nothing else, say this is true:
That even as we grieved, we grew
That even as we hurt, we hoped
That even as we tired, we tried
That we'll forever be tied together, victorious
Not because we will never again know defeat
but because we will never again sow division
Scripture tells us to envision
that everyone shall sit under their own vine and fig tree
And no one shall make them afraid
If we're to live up to our own time
Then victory won't lie in the blade
But in all the bridges we've made
That is the promise to glade
The hill we climb
If only we dare
It's because being American is more than a pride we inherit,
it's the past we step into
and how we repair it
We've seen a force that would shatter our nation
rather than share it
Would destroy our country if it meant delaying democracy
And this effort very nearly succeeded
But while democracy can be periodically delayed
it can never be permanently defeated
In this truth
in this faith we trust
For while we have our eyes on the future
history has its eyes on us
This is the era of just redemption
We feared at its inception
We did not feel prepared to be the heirs
of such a terrifying hour
but within it we found the power
to author a new chapter
To offer hope and laughter to ourselves
So while once we asked,
how could we possibly prevail over catastrophe?
Now we assert
How could catastrophe possibly prevail over us?
We will not march back to what was
but move to what shall be
A country that is bruised but whole,
benevolent but bold,
fierce and free
We will not be turned around
or interrupted by intimidation
because we know our inaction and inertia
will be the inheritance of the next generation
Our blunders become their burdens
But one thing is certain:
If we merge mercy with might,
and might with right,
then love becomes our legacy
and change our children's birthright
So let us leave behind a country
better than the one we were left with
Every breath from my bronze-pounded chest,
we will raise this wounded world into a wondrous one
We will rise from the gold-limbed hills of the west,
we will rise from the windswept northeast
where our forefathers first realized revolution
We will rise from the lake-rimmed cities of the midwestern states,
we will rise from the sunbaked south
We will rebuild, reconcile and recover
and every known nook of our nation and
every corner called our country,
our people diverse and beautiful will emerge,
battered and beautiful
When day comes we step out of the shade,
aflame and unafraid
The new dawn blooms as we free it
For there is always light,
if only we're brave enough to see it
If only we're brave enough to be it