19 outubro 2021

nove anos sem ele

 


A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
- Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? -
Manuel António Pina
in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

02 outubro 2021

entre nós

Nada entre nós tem o nome da pressa.

Conhecemo-nos assim, devagar, o cuidado

traçou os seus próprios labirintos. Sobre a pele

é sempre a primeira vez que os gestos acontecem.

Porém,

se se abrir uma porta para o verão, vemos as mesmas coisas –

o que fica para além da planície e da falésia; a ilha,

um rebanho, um barco à espera de partir, uma palavra

que nunca escreveremos.

Entre nós

o tempo desenha-se assim, devagar.

Daríamos sempre pelo mais pequeno engano.

Maria do Rosário Pedreira