22 junho 2021

...

Que merda a nostalgia – nasce na respiração
E fica demoradamente. A sombra
Por dentro dos olhos, a baba, o sono,
O excesso de sensibilidade nos dentes
E a pele susceptível à roupa. Tão próxima
Que queima e gela em simultâneo, dor
Tão pequenina que nem acciona
As reacções fisiológicas de defesa.
Os detritos da festa acumulam-se,
A memória ateia distantes fogachos
De felicidades impossíveis, gomos
De saudade, uma pena sem coragem
Ou ternura. Que merda a nostalgia,
Horizonte falsificado por linhas
Rectas de solilóquio pensado,
Luz que não vem ou vem em excesso,
Carga de ombro inesperada no meio
Do campo deserto. Que braços se abrem
Para deter a espuma amarelada
Com que a maré polui o areal?
 
Rui Almeida