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Entre nós e as palavras há metal
fundente
entre nós e as palavras há hélices que
andam
e podem dar-nos a morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis
ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças
sentadas
à espera do seu tempo e do seu
precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de
morte
há palavras imensas, que esperam por
nós
e outras, frágeis, que deixaram de
esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que
guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras
gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à
boca
palavras diamantes palavras nunca
escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de
violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o
amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito
alto
muito além do azul onde oxidados
morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão
desfeita
Entre nós e as palavras, os
emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso
dever falar.
Mário Cesariny
“Pena
Capital”, Lisboa, Assírio & Alvim, 1982