21 setembro 2012

um entre os mais

«A terceira miséria é esta, a de hoje.


A de quem já não ouve nem pergunta.

A de quem não recorda. E, ao contrário

Do orgulhoso Péricles, se torna

Num entre os mais, num entre os que se entregam,

Nos que vão misturar-se como um líquido

Num líquido maior, perdida a forma,

Desfeita em pó a estátua.»

HÉLIA CORREIA,

in "A Terceira Miséria", Relógio d'Água, Fev. 2012.

fotografia de David Fonseca

era esse o teu sorriso



Tenho um sorriso fechado na palma da minha mão.
Sorriso que foi achado caído no meio do chão.
Um sorriso que era vento desenrolado do azul
em que as minhas velas pandas se enfunavam para o Sul,
rumo a qualquer fim do mundo!

Uma ilha tropical onde o meu corpo confundo
com vento suor e sal. Era esse o teu sorriso;
o sorriso que me davas quando os teus olhos nos meus
eram dois potros com asas.

À tua espera na praia fiquei pela tarde fora,
no alto daquele rochedo onde um minuto é uma hora!
E não vi o teu sorriso surgir da areia ou do mar.
Nem tive um porto de abrigo...
Nem foste um barco a chegar.

Se me disseres que morreste não acredito. Não posso!
Andavas sempre comigo e o teu sorriso era o nosso...
Hoje guardo o teu sorriso fechado na minha mão...
A contrastar com o siso que trago no coração.

14 setembro 2012

papa a papa

As alunas das doroteias

comem todas as manhãs

uma loura papa de aveia

e nisto são meninas cristãs.



Mas para que não conste que estas florinhas

são antropófagas e pagãs,

para que se não diga que elas comem

o Santo Padre todas as manhãs,



uma freira a quem nada escapa

e que depois de morta vai ser santinha

ensinou-lhes que em vez de papa

elas devem dizer farinha.



Natália Correia (1923-1993)

in Poesia Completa, Ed. Dom Quixote, pg. 55

06 setembro 2012

o quarto que sente

Imagine-se que em vez de um esquilo se via um gato ruivo e "o quarto que sente", no que toca a esta colaboradora, é mesmo assim.