18 fevereiro 2009

O corvo - Edgar Allan Poe



Fotografia de Carla Pinto

O CORVO
(Publicado pela primeira vez em 1845)



Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais
e já quase adormecia, ouvi o que parecia
o som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro
e o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
p'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita
e a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.

Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
com o nome "Nunca mais".

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais
e o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
à ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
no veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
o esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
o nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demónio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
a este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
a esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais
se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
no alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demónio que sonha
e a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais
e a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,
libertar-se-á... nunca mais!

Edgar Allan Poe
(Traduzido por Fernando Pessoa)
POE. Edgar Allan. O Corvo.
Ed. Relódio d'Água, 2009, pg. 17 a 32

Para comparar com a tradução de Machado de Assis entrai aqui.

Para ler a versão original ide por aqui.

Fotografia de Benjamim Vieira




17 fevereiro 2009

THE CRANBERRIES

A Su, da Teia de Ariana, colocou-me outro desafio.

Aqui vão as regras:

1 - Colocar uma foto nossa;
2 - Escolher um artista ou banda preferido;
3 - Responder as questões com os títulos das canções do artista escolhido;
4 - Escolher 4 pessoas a quem passar o desafio.


Agora as perguntas do desafio e as respostas com os temas dos THE CRANBERRIES:

a) És homem ou mulher? "No need to argue";
b) Descreve-te: "Free to decide";
c) O que é que as pessoas pensam de ti? "Uncertain";
d) Como descreves o teu último relacionamento? "The sweetest thing";
e) Descreve o estado actual da tua relação."Linger";
f) Onde querias estar agora? "Sunday";
g) O que pensas a respeito do AMOR? "Salvation";
h) Como é a tua vida? "Wanted";
i) O que pedirias se pudesses ter um só desejo? "Forever yellow skies";
j) Escreve uma frase sábia. "Wake up and smell the coffee".



Passo o desafio a EBernardes, a Tanita, Pedro e Louco de Lisboa.

11 fevereiro 2009

seis coisas/seis blogs

Fotografia de Luís Silva



1) Não gosto de acordar e ver que está a chover
senão nos dias de Verão em que pululam os fogos;
2) Não me cativam os pequenos seres
que, quando falam, não me olham nos olhos;
3) Em nada me encantam os penosos momentos
em que quebrei o diálogo
e ainda não é tempo de o restaurar;
4) Não me seduz o completo ócio
para poder continuar a dar valor
ao tempo de descansar;
5) Não me cativa o caos
e fujo, sempre que posso, de qualquer tumulto;
6) Tenho tendência para achar que sou fraca
mas está visto que, quando é preciso, luto.



Fui desafiada pela Su, do blog Teia de Ariana e pela Tanita, do Amanhã é outro dia, para dizer uma série de coisas sobre mim. Estas foram as seis "coisas" que consegui arranjar. Devia indicar mais seis blogs para continuarem esta cadeia, mas não o vou fazer. Se alguém passar por este quarto e achar o desafio interessante, pode levar para a sua “casa”.

10 fevereiro 2009

ALL STARS SHOW


"Nada mais vos espera que uma paródia em torno das figuras mais mediáticas da nossa actual e triste novela do século 21.
Não é apenas uma caricatura, é um trabalho sério (ora bolas) sobre alguns dos nossos dirigentes/cromos desta caderneta em que todos habitamos, a TERRA (aldeia global). E ainda por cima o luxo que foi terem sido todos pintados a pincel e tinta acrílica !!!! (sempre bem em qualquer sala, desde que fiquem bem com os cortinados como é óbvio)" - Nuno Gaivoto

Exposição patente de 12 Fevereiro a 12 de Março de 2009, na Livraria Arquivo em Leiria, de Segunda a Sábado das 10 às 20h30 e aos Domingos das 14h30 às 19h30.

07 fevereiro 2009

Atmosphere

Walk in silence,
Don't walk away, in silence.
See the danger,
Always danger,
Endless talking,
Life rebuilding,
Don't walk away.

Walk in silence,
Don't turn away, in silence.
Your confusion,
My illusion,
Worn like a mask of self-hate,
Confronts and then dies.
Don't walk away.

People like you find it easy,
Naked to see,
Walking on air.
Hunting by the rivers,
Through the streets,
Every corner abandoned too soon,
Set down with due care.
Don't walk away in silence,
Don't walk away.


Joy Division

03 fevereiro 2009

Os amigos

Fotografia de Luís Pinto
Os amigos

Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles
e são sempre adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos
no seu exagero de temporalidade pura.

Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos explica
por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis.

Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor.

José Tolentino Mendonça
in De Igual Para Igual, Assírio & Alvim, 2001.