08 dezembro 2009

Segredos

Corolário de pequenas pétalas alvas,
translúcidas e perfumadas
guardo em secreto esconderijo
longe de piratas amantes de estados de alma perdidos
nos mares vendidos a litro.

Corolário de grandes ilusões coloridas,
opacas e oprimidas
guardo em baú com cadeado,
bem fechado,
perto do meu leito diário e certo
de colchão de segredos recheados.

Quem os não tem guardados,
semeados em terra fértil,
crescendo a cada dia?

Carmen Zita Ferreira
in Jogo de Espelhos,
Ed. Som da Tinta, 2004

04 dezembro 2009

Um olhar científico sobre as aparições de Fátima

No âmbito da actividade (con)tributos será feita a apresentação do Livro: “Videntes e Confidentes, um estudo sobre as aparições de Fátima” da autoria de Aurélio Lopes. A apresentação estará a cargo do Dr. Ernesto Jana, no próximo dia 05 de Dezembro, pelas 17horas, na Biblioteca Municipal de Ourém (Largo Professor Egas Moniz, n.º 12).

Biografia do autor: Investigador e professor do ensino superior, Aurélio Lopes, tem-se debruçado, especialmente, sobre a Antropologia do Sagrado, nomeadamente nas vertentes relacionadas com a religiosidade popular.
Conferencista e articulista em diversos periódicos regionais e nacionais, é autor de mais de duas dezenas de estudos publicados de que se destacam Religião Popular no Ribatejo (1999), O Percurso de Selene: A Lua na Tradição Popular (1996), Tempo de Solstícios (1998), A Face do Caos; Ritos de Subversão na Tradição Portuguesa (2000), O B. I. das Mouras Encantadas (2004), Devoção e Poder nas Festas do Espírito Santo (2004), Bielhas i Chocalheiros na ne Praino Mirandés (2005), A Sagração da Primavera (2007), A Festa dos Bugios no Sobrado; Concelho de Valongo (2008) e A Reconstrução do Sagrado: Religião Popular nos Avieiros da Borda D’ Água (2009).
Actualmente é responsável pelo Observatório Cultura da Associação Civilis e coordenador da Colecção Raízes e Antropologia da Editora Cosmos.

Sinopse do livro: Os fenómenos que usualmente denominamos “aparições”, revestem-se de vicissitudes sociais e culturais multifacetadas, em que se movimentam diversos actores, tanto videntes e devotos, como responsáveis pelos processos de aceitação e integração mais ou menos canónica.
E se as eventuais etapas secundárias, sempre institucionalizadas, se revestem, já, de uma multivalência doutrinária que as respectivas conjunturas vão acarretando, os testemunhos primários, constituem quase sempre uma emanação directa das personalidades dos videntes, numa conjuntura cultural bem definida.
Poder-se-á dizer-se, assim, que as aparições constituem eclosões epifânicas decorrentes de determinadas condições sociais, assentes em catalisadores culturais específicos e tendo como elemento polarizador a personalidade (não perversa, nem patológica, mas singular no seu psiquismo) do respectivo vidente!
Singularidades na relação dos homens com Deus, constituem momentos marcados pelo excepcional; pelo prodigioso.
Momentos em que a relação normal se mostra insuficiente perante a excepcionalidade ou a gravidade da ocasião. Em que a divindade resolve atalhar os canais normais de comunicação e falar, directamente, com os Homens.
São, muitas vezes, mensagens de aviso e alerta, face a um desvio devocional ou comportamental, ou um institucional religioso que tende para a estagnação e formalização ou, para um domínio, cada vez maior, da letra da lei.
Tais hierofanias radicam em pressupostos vários (tanto estruturais como conjunturais) que na conexão socio-cultural imbricam necessariamente. Os tempos são normalmente de crise social, moral ou política. Os videntes são frequentemente pessoas simples, de formação cultural baixa, emotivos e impressionáveis, levando muitas vezes uma existência dura e boçal, quantas vezes sofrida, sem perspectivas de melhoria.
Para eles o mundo é, ainda, palco de uma luta entre o bem e o mal. Luta perpétua, em que o mal confere, de alguma forma, sentido ao bem, não obstante, dever ser periodicamente vencido (ou, pelo menos, contido) em sucessivos confrontos que antecipam o confronto final e, onde, cada um, é suposto ter um papel a desempenhar.
A aparição proporciona-lhes uma importante ruptura com o quotidiano. Uma importância que os resgata à banalidade prosaica da sua existência e confere, de alguma forma, uma razão de ser, ao seu sofrimento. Fátima, naturalmente, não foge à regra.

17 novembro 2009

Calendário - 2010



O Calendário Ilustrado 2010 da APCC - Associação para a Promoção Cultural da Criança vai ser lançado a 20 de Novembro com os jornais Diário de Notícias e Jornal de Notícias, ficando em banca durante duas semanas, onde poderá ser adquirido por 2,50 €.
É um calendário que contém ilustrações de Madalena Matoso.
De que melhor maneira se pode começar 2010, senão rodeados de beleza e de arte?
Está certo, temos também a boa música e a boa companhia. Não se pode negar esse facto.

13 novembro 2009

Cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos, in "Poemas"

11 novembro 2009

Dinossáurio carnívoro passou por Ourém



Notícia aqui.

Para os meus amigos de "longe", será mais um ponto a explorar numa próxima visita.

Para os de mais perto, 'bora lá à procura das pegadas dos carnívoros?

10 novembro 2009

Ode

Understand the things I say,

don't turn away from me,

'Cause I've spent half my life out there,

you wouldn't disagree.

Do you see me? Do you see?

Do you like me? Do you like me standing there?

Do you notice? Do you know?

Do you see me? Do you see me?

Does anyone care?

Unhappiness where's when I was young,

And we didn't give a damn,

'Cause we were raised,

To see life as fun and take it if we can.

My mother, my mother,

She hold me, she hold me, when I was out there.

My father, my father,

He liked me, oh, he liked me.

Does anyone care?

Understand what I've become, it wasn't my design.

And people ev'rywhere think, something better than I am.

But I miss you, I miss, 'cause I liked it,

'Cause I liked it, when I was out there.

Do you know this?

Do you know you did not find me. You did not find.

Does anyone care?

Unhappiness where's when I was young,

And we didn't give a damn,

'Cause we were raised,

To see life as fun and take it if we can.

My mother, my mother,

She hold me, she hold me, when I was out there.

My father, my father,

He liked me, oh, he liked me.

Does anyone care?

09 novembro 2009

nunca é demais falar das árvores felizes

Fotografia de Gonzales


Nunca é demais
falar dos braços que
percorrem corpos.
Das amêndoas em
flor. Das árvores
felizes. Nunca é
demais repetir a
beleza esfuziante.
E que fazer perante
o corpo que envelhece,
o sonho que se trai,
o perdão que não
houve; como
entender o outro
lado da fronteira
onde o medo e a
morte espreitam?

Cecília Barreira
in 7&10,
Europress, 2003, pg. 15

30 outubro 2009

novo horizonte

Fotografia de Nuno Abreu

Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo.


Sophia de Mello Breyner

26 outubro 2009



Mal nos conhecemos
inaugurámos a palavra “amigo!”.
“Amigo” é um sorriso de boca em boca,
um olhar bem limpo,
uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
um coração pronto a pulsar
na nossa mão!

“Amigo” (recordam-se, vocês aí,
escrupulosos detritos?)
“Amigo” é o contrário de inimigo!
“Amigo” é o erro corrigido,
não o erro perseguido, explorado,
é a verdade partilhada, praticada.
“Amigo” é a solidão derrotada!
“Amigo” é uma grande tarefa,
um trabalho sem fim, um espaço útil,
um tempo fértil,
“Amigo” vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O'Neill,
in “No Reino da Dinamarca”

21 outubro 2009

Pretérito (im)perfeito

“Foi para o sobrestimarmos que o passado foi incorporado na nossa memória”.

Hugo Von Hofmannsthal.
Livro dos amigos. Assírio & Alvim, 2002, pg.69

16 outubro 2009

Proposta mais do que decente


Richard Zimler estará amanhã na Livraria Arquivo, em Leiria, a partir das 17h00.
Quem me quer acompanhar até lá?


Richard Zimler nasceu em Nova Iorque em 1956. É licenciado em Religião Comparada pela Duke University e mestre em jornalismo pela Stanford University. Vive no Porto desde 1990, onde é professor de jornalismo. Traduziu para Inglês alguns poetas portugueses contemporâneos, entre os quais Al Berto e Pedro Tamen. Em 2002 naturalizou-se português.
Na última década publicou sete romances, uma colectânea de contos e um livro para crianças, “Dança Quando Chegares ao Fim - Bons conselhos de amigos animais”, com ilustrações de Bernardo Carvalho (Ed. Caminho/2009).
O Último Cabalista de Lisboa” (Ed. Oceanos/2007) é o seu mais conhecido trabalho e “Os anagramas de Varsóvia” (Ed. Oceanos/2009) o seu mais recente romance.


Acerca do livro “Os anagramas de Varsóvia” (sinopse oficial):
“Um romance policial arrepiante e soberbamente escrito passado no gueto judaico de Varsóvia. Narrado por um homem que por todas as razões devia estar morto e que pode estar a mentir sobre a sua identidade.
No Outono de 1940, os nazis encerraram quatrocentos mil judeus numa pequena área da capital da Polónia, criando uma ilha urbana cortada do mundo exterior. Erik Cohen, um velho psiquiatra, é forçado a mudar-se para um minúsculo apartamento com a sobrinha e o seu adorado sobrinho-neto de nove anos, Adam.
Num dia de frio cortante, Adam desaparece. Na manhã seguinte, o seu corpo é descoberto na vedação de arame farpado que rodeia o gueto. Uma das pernas do rapaz foi cortada e um pequeno pedaço de cordel deixado na sua boca. Por que razão terá o cadáver sido profanado? Erik luta contra a sua raiva avassaladora e o seu desespero jurando descobrir o assassino do sobrinho para vingar a sua morte. Um amigo de infância, Izzy, cuja coragem e sentido de humor impedem Erik de perder a confiança, junta-se-lhe nessa busca perigosa e desesperada.
Em breve outro cadáver aparece - desta vez o de uma rapariga, a quem foi cortada uma das mãos. As provas começam a apontar para um traidor judeu que atrai crianças para a morte. Neste thriller histórico profundamente comovente e sombrio, Erik e Izzy levam o leitor até aos recantos mais proibidos de Varsóvia e aos mais heróicos recantos do coração humano.”

13 outubro 2009

rapaz solteiro procura rapariga interessada

a norma diz que as raparigas
fazem tudo de propósito. é um
modo de dizer que o propósito das
raparigas são os rapazes, e que não
pensam em mais nada. a norma
vai zangar-se quando ler este poema,
seguramente sentirá que sou
machista e que menorizei a nossa
conversa. as raparigas, segundo o que
observei, são diferentes da minha
amiga, não afirmam muitas coisas,
esperam para ver e avançam em
desespero. as raparigas, tenho a certeza,
teriam muito que aprender com a
norma, assim se mantivessem mais
decididas e estáveis em cada momento

eu queria encontrar uma rapariga como a
norma que, sem dúvidas, me suportasse num
casamento eterno e me fizesse pensar tudo
ao contrário do que penso agora

valter hugo mãe
in folclore íntimo,
Cosmorama, 2008, pg. 76

08 outubro 2009

Herta Müller vence Prémio Nobel da Literatura



A escritora romena naturalizada alemã Herta Müller é a vencedora do Prémio Nobel de Literatura 2009. A Academia sueca sublinha que Herta Müller consegue, "com a densidade da sua poesia e a franqueza da sua prosa, retratar o universo dos desapossados".
A autora conta com dois livros publicados em Portugal: "O homem é um grande faisão sobre a terra", com tradução de Maria Antonieta C. Mendonça (Cotovia, 1993) e "A terra das ameixas verdes", com tradução de Maria Alexandra A. Lopes (Difel, 1999).

Boneca de pano-encantado V

Revolvem-se os folhos
de um vestido de pano
numa boneca de pano-encantado,
feito de trapos,
remendado,
com emendas sucessivas,
impostas pela sucessão dos dias.

Revolvem-se as cores
que se foram gastando com o tempo,
como o foram o brilho do seu sorriso fingido,
a beleza do seu velho vestido
e as suas mãos, que se tornaram frias.
Dir-se-ia tratar-se de uma boneca condenada
com a raiva de viver em sorrisos ocultada.
Dir-se-ia ser uma imagem da apatia
de uma boneca de vida vazia.
E tudo o que se diga não vai chegar
porque se está a falar
de uma boneca que queria revestir-se
não de pano mas de mar.
São os sonhos que a mantêm
numa prateleira à espera
de dias compridos
em que o Sol a deixe falar com os deuses
que seus mitos possam cristalizar.
São os sonhos que lhe revolvem os folhos
debotados pelo tic-tac contínuo
do livro onde sem querer
esta boneca de encantado-pano acabou por entrar.

São os sonhos
que admitem remendos no vestido,
no seu corpo,
no seu corpo desde sempre remendado.
São os sonhos
e a imagem de um mundo
também ele encantado.

Carmen Zita Ferreira
in Jogo de Espelhos, Ed. Som da Tinta, 2004

16 setembro 2009

Roberto Bolaño e o seu 2666

Roberto Bolaño
Faltam 09 dias e 07 horas para podermos ter acesso à edição em Língua Portuguesa do livro que é considerado o maior fenómeno literário da última década.

15 setembro 2009

Emigração


Fotografia de Maria José Ramôa


Em Março de 2010 será lançado o novo romance de José Luís Peixoto, com o título “Livro”, que trata o tema da emigração portuguesa para França, nos anos 60.
Neste “quarto” já se sente curiosidade em ver como tratará o autor um tema que tanto diz aos portugueses, em geral e às colaboradoras deste espaço, em particular.
Até lá ficamos com um poema do autor.

QUARTO
Os posters, colados com fita-cola,
arderam nas paredes. Os ursos de
peluche fecharam os braços e, por
quase nada, arderam sobre a cama.
Os cartões de estudante antigos, os
postais de férias e os três poemas
passados a limpo arderam dentro
da gaveta da mesinha-de-cabeceira.
Fiz dezasseis anos, chegou o verão e
os bombeiros não tiveram meios
técnicos e humanos suficientes.

José Luís Peixoto
in Gaveta de Papéis,
Prémio Daniel Faria 2008, Edições Quasi, 2008

14 setembro 2009

Boneca de pano-encantado IV

Fotografia de Nuno Estrela


Brinca, boneca-de-pano-encantado.
Teus trajes são sonhos,
tua fantasia é nada.
Da tua quimera
perdida e desencantada
não podes exigir nada mais do que horror.
De que esperas?
Crescer não poderá ser solução.
Estagnada à beira do pontão
que deixa a tua ilha e entra no mar,
brinca.
Deixa cair teu corpo,
entra no atraente brilho molhado,
não lutes contra as ondas,
despede-te de teu navio ancorado
e todos pensarão
que continuas a brincar.

Carmen Zita Ferreira
In Jogo de Espelhos, 2004,

Ed. Som da Tinta, pg.25

12 setembro 2009

Boneca de pano-encantado III


Fotografia de Sérgio Simões

De regresso às nuvens
veio uma boneca-de-pano-encantado,
que as nuvens sempre quis habitar
e nunca outro lado.

Que viagens de perdição acolheu
nestes dias em que no seu reino não choveu.

A vertigem da subida ao céu
ofereceu-lhe a loucura.

Vertigem de sentir demais,
vertigem de sentir ser a mais a dor que a consome.

Regresso às nuvens.
Aventura.
Boneca que de fantasia tem fome
das nuvens fez sua casa.
Boneca sem vida,
viver nas nuvens pode ser bom
mas o Sol que aquece,
por vezes abrasa.


Carmen Zita Ferreira
In Jogo de Espelhos,
2004, Ed. Som da Tinta, pg. 23

05 setembro 2009

Boneca de pano-encantado II




Fotografia de Julia Kan

Uma boneca de pano-encantado,
que vivia perdida em labirintos de simulações,
acordou diferente uma manhã
desconhecendo as razões.

Suas pernas de trapo desapareceram,
substituiu-as uma cauda sedosa.
Um cabelo forte e rebelde,
suas tranças cor-de-rosa.
Seus olhos fixos, de boneca encantada,
por olhos vivos, como os de quem não quer perder nada.
Suas mãos sem dedos e de algodão
por dez dedos que anseiam tocar marés.
As penas, que habitavam seu coração
por mil desejos, de ter o mundo a seus pés.
Dezenas de bonecos companheiros
por um golfinho só para encantar.
O pó de suas prateleiras
pelo encanto do seu infinito mar.
A escuridão das ausentes estrelas
por uma pura luz... Pelo luar.
Uma simples boneca de encantados trapos,
a quem quedavam sonhos, planos e vida
acolheu a essência de cada dia,
para nunca ter uma jornada perdida.

Substituiu castelos
por mar, Sol e areia.
Não, já não é uma boneca.
Não, hoje acordou sereia.


Carmen Zita Ferreira
In Jogo de Espelhos, 2004,
Ed. Som da Tinta, pg.19

27 agosto 2009

Boneca de pano-encantado - I

Fotografia de Gabriela C. Bertão


Sorri, boneca de pano-encantado!
Mostra que, apesar de não a teres sonhado,
acolhes a realidade que hoje vives.

Sorri, pois estão a olhar para ti.
Ninguém se importa se quer chorar quem ri
sonhando um longínquo paraíso acordado.

Olha a multidão que não te olha,
vê como estás só neste sufoco de gente.
Vê como no fundo és tão diferente.

Luta, boneca, luta,
por aquilo que querem que vás lutar,
por aquilo que nunca ambicionaste amar.

Luta, por alguém que há-de vir
por alguém que vai ter de sorrir
mesmo que, no fundo, queira chorar.

Serão teus filhos?
Saberão eles quais são os perigos
de não se sorrir, quando se não quer?
Saberão eles que, se forem “mulher”
o mundo pouco terá para lhes oferecer,
apenas imposições, dores e castigos?

Sorri, boneca de pano-encantado!
Acaba de escrever, põe o pensamento de lado
e a tua cara decora com sorrisos.

Podes escrever... pouco... mas podes.
Não podes é ambicionar ou querer
que depois alguém dê valor ao que vai ler.

És mulher: o que podes fazer é ensinar.
Ensinar a ler, ensinar a amar,
ensinar a ver a luz que te consome.

Consomes, tu, a luz de um doce olhar,
consomes o gosto de um salgado mar
e mesmo sem os teres, deves sorrir.

Sorri boneca de pano-encantado!
Encara o futuro,
liberta-te do passado.
lembra-te que ainda pode haver
um porto seguro
e recatado,
que acolha o teu sorrir,
o teu viver.
Lembra-te de que “a esperança
é a última a morrer”.



Carmen Zita Ferreira
In Jogo de Espelhos, 2004,
Ed. Som da Tinta, pg. 17

17 agosto 2009

passado

“Mas a verdade é que ainda hoje acredito que as coisas podiam ter sido diferentes se eu não me tivesse precipitado nos gestos ou na revelação. Que decerto o erro foi meu e é por ele, afinal, que estou a pagar.”

Maria do Rosário Pedreira
Portefólio #4, Fundação Eugénio de Almeida,
Maio de 2009, pg. 67

13 agosto 2009

Há temas para crianças?

“(…) um livro bom não tem idades definidas, tem sim um leitor modelo que será aquele que dele se aproprie. É demasiadamente presunçoso da parte dos adultos afiançarem que há determinados temas de que as crianças não gostam ou não percebem.”
Andreia Brites
No blog o bicho dos livros

12 agosto 2009

futuro

“Quero pouco saber do meu destino porque, depois de se ser feliz, qualquer falta é a falta de tudo.”

valter hugo mãe
Portefólio #4, Fundação Eugénio de Almeida,
Maio de 2009, pg. 67

antefuturo



Inauguração no próximo Domingo, dia 16, pelas 17horas.

04 agosto 2009

Foto procura legenda

Com a arte do Nuno Abreu

Às vezes a janela que se devia abrir quando se fecha uma porta tem de ser partida por nós.



Sinto-me atraída pelo movimento das águas,
Como se lhes invejasse a corrente,
O incansável correr,
Por um leito perfeito.
Essa força que vence barreiras,
Esse constante anseio pelo MAR!
Sinto-me atraída pelo seu brilho,
Como se lhes invejasse a cor,
A altiva transparência,
Por trás de um verde...
Esse verde cor-de-sonho,
Essa vontade de ser, um dia, AZUL!
Sinto...
Que bom é sentir,
Uma vez mais,
Uma vez mais,
Uma vez mais.

Carmen Zita Ferreira
In Jogo de Espelhos, 2004, Ed. Som da Tinta

Livros irresistíveis para os mais novos (e não só)


Os escritores Alice Vieira, Ana Maria Magalhães, Luísa Fortes da Cunha e Álvaro Magalhães recomendam leituras que prometem agarrar as crianças da primeira à última página. Para aceder a essa informação basta vir connosco por aqui.

02 agosto 2009

conteúdos éticos sem traço de demagogia

"O escritor, se é pessoa do seu tempo, se não ficou ancorado no passado, há-de conhecer os problemas do tempo que lhe calhou viver. E que problemas são esses hoje? Que não estamos num mundo aceitável, bem pelo contrário, vivemos num mundo que está a ir de mal a pior e que humanamente não serve. Atenção, porém: que não se confunda o que reclamo com qualquer tipo de expressão moralizante, com uma literatura que viesse dizer às pessoas como deveriam comportar-se. Estou a falar doutra coisa, da necessidade de conteúdos éticos sem nenhum traço de demagogia. E, condição fundamental, que não se separasse nunca da exigência de um ponto de vista crítico."
José Saramago, Julho 7, 2009
http://caderno.josesaramago.org/

la mer

Fotografia de Emannuel Grenat

fire

22 julho 2009

Estado de espírito

Fotografia de Vasco Patrício
"Saí, conformado. Também não depositara muitas esperanças prévias na diligência. Mas tinha de tentar. É na capacidade de perder e mesmo assim lutar que está a grandeza. Quem escreveu esta sentença já não sei, mas terá sido um grande homem, por certo."
Pepetela
in O planalto e a estepe. Ed. Dom Quixote, 2009, pg. 97

Profissões

Fotografia de Vasco Patrício
"Há gente muito boa a inventar desculpas, não fazem outra coisa, é um emprego com largo futuro no mundo da política."
Pepetela
in O planalto e a estepe.Ed. Dom Quixote, 2009, pg.85

13 julho 2009

sobrepor camadas de cal fresca ou de verniz no aparente

“(…) A gente sabe bem que quem criou a lei mantém-lhe o conteúdo
Não é com post-scripta e duplas rubricas
Que um código se muda.
Nada se rectifica
Ao sobrepor camadas de cal fresca ou de verniz no aparente.
O fingir-dar sem se dar realmente
Não tira a quem tem fome.
A fome de ternura, de liberdade, de ar
Fome de sol, de pão, de cheiro a mar
Fome de ter amor
Fome de amar.
A fome dos que têm mesmo fome, disto, daquilo, seja do que for.

Mas se é longa a espera
Longo o tempo
Fatigam-se as esperanças
E a fome longamente acumulada faz arrancar do sonho a mais funda raiz.”

Maria Eugénio Cunhal.
As mãos e o gesto. Ed. Escritor, Lisboa, 2000. pg.61/62.

E a ti, o que te faz chorar?

11 julho 2009

Desejo

“Atravessara o verão para te ver
dormir e trazia doutros lugares
um sol de trigo na pupila;
às vezes a luz demora-se
em mãos fatigadas; não sei em qual
de nós explodiu uma súbita
juventude, ou cantava:
era mais fresco o ar.
Quem canta no verão espera ver o mar.”

Eugénio de Andrade.
Poesia. Ed. Fundação Eug. de Andrade, 2000. pg. 338

10 julho 2009

Canção do caminho

Por aqui vou sem programa,
sem rumo,
sem nenhum itinerário.
O destino de quem ama
é vário,
como o trajecto do fumo.

Minha canção vai comigo.
Vai doce.
Tão sereno é seu compasso
que penso em ti, meu amigo.
- Se fosse,
em vez da canção, teu braço! (…)

Cecília Meireles
in O instante existe,
Ed. Arte Plural, pg. 60

24 junho 2009

Scenic world

The lights go on
the lights go off
when things don't feel right
i lie down like a tired dog
licking his wounds in the shade.

When i feel alive
i try to immagine a careless life
a scenic world where the sunsets are all
breathtaking.

Beirut

11 junho 2009

Uma imagem

Uma imagem:
O vento varre a poeira dos olhos.
Abrem-se e vêem que teu mundo não era paraíso.
Perdeu-se.
Não o voltarás a encontrar.
O paraíso não existe.
Só existe e realidade que te adormece para o mundo.
Se continuares a ignorar esta imagem
Deixarás parar tuas mãos no fundo
Acreditando que nada é preciso mudar.

Uma imagem:
O Sol levanta-se num horizonte de mar
Que vai encantar teus dias azuis
Por ti conquistados.
Não os vais querer perder.
O paraíso não existe.
Mas existe realidade melhor do que ele.
Conquista-a e vive por ela.
Deixarás teus olhos, tua alma voar
Sobre essa realidade que decidiste conquistar.

Carmen Zita Ferreira
in Jogo de Espelhos, 2004,
Ed. Som da Tinta, pg. 49

01 junho 2009

O incrível rapaz que comia livros

Hoje é dia mundial da criança e neste quarto é quase sempre dia de livros. Hoje, por aqui, será também dia de divulgar a letra pequena online. É um local de visita constante da minha parte e hoje não consegui resistir a divulgar o que Rita Pimenta propõe.
A letra pequena online tem convidado autores, ilustradores, editores ou tradutores de livros ilustrados para darem voz à história que é contada no livro que assinam. Às vozes junta uma banda sonora e a sequência de imagens da narrativa. O resultado pode ser escutado/visto na galeria de Livros para Escutar (na coluna à direita da letra pequena online).
Hoje Rita Pimenta propõe a audição do livro “O incrível rapaz que comia livros” de Oliver Jeffers, com tradução de Rui Lopes e edição da Orfeu Negro.
Façam o favor de dar um saltinho pequenino até . Deliciem-se!

30 maio 2009

VIII Festival de Cereja de Resende


Decorre este fim-de-semana, em Resende, o VIII Festival da Cereja. No Domingo participará no festival o grupo de música tradicional “Romeiros”, de Ourém.
Nesse mesmo dia poder-se-á assistir aos espectáculos do “Mar de Pedra” (um grupo com quem os “Romeiros” estiveram o ano passado, em Vila Real), dos “Arrefole”, d’“Uxukalhos” (que actuarão em Junho em Ourém, nas Festas da Cidade e do Concelho) e dos “Flor de Lis” (que venceram o Festival da Canção RTP este ano).
Para além de toda a animação que o Municio de Resende promete aos seus visitantes e habitantes, estarão à venda as apetecíveis CEREJAS de Resende!

27 maio 2009

Sonhos e medos

rapinado do i can read, again.

O Túmulo de Edgar Poe

O Túmulo de Edgar Poe

Tal que em si-mesmo enfim a Eternidade o apura
O Poeta suscita com seu gládio erguido
Seu século aterrado de não ter ouvido
Que a morte triunfava nessa voz obscura!

Eles, em sobressalto como de hidra impura
Audindo o anjo aos da tribo termos dar sentido
Puro mais, logo aclamam sortilégio haurido
Nas desonradas águas de uma atra mistura.

Opostos solo e nuvens, ó suprema dor!
Se a nossa ideia com não cria de escultor
De que a tumba de Poe se orne resplandecente,

Calmo tombado bloco de um desastre escuro,
Que este granito ao menos mostre o seu batente
Ao negro voo blasfemo esparso no futuro.

Sthéphane Mallarmé
Tradução de Jorge de Sena.

17 maio 2009

Danger

Fotografia de José Lopes


Notice to an absent-minded reader:
poetry is a soft way
of bewildering.

Carmen Zita Ferreira
in Jogo de Espelhos,
Ed. Som da Tinta, 2004, pg. 47
(Tradução de
Tânia Graça)

12 maio 2009

Todas as ruas do amor

Gosto da simplicidade da melodia, gosto do poema, gosto da voz.

Parece que o resto da Europa também gostou.

08 maio 2009

A voz de Ana Hatherly

Ana Hatherly, poeta e professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, celebra hoje, 08 de Maio de 2009, o seu 80º aniversário.
Lembro-me das suas aulas, do seu sorriso e sobretudo, do seu olhar transparente e fascinante.
Deixo aqui um dos seus poemas.


Um rio de luzes


Um rio de escondidas luzes

atravessa a invenção da voz:

avança lentamente

mas de repente

irrompe fulminante

saindo-nos da boca


No espantoso momento

do agora da fala

é uma torrente enorme

um mar que se abre

na nossa garganta


Nesse rio

as palavras sobrevoam

as abruptas margens do sentido.


in O Pavão Negro,
Ed. Assírio & Alvim, 2003

07 maio 2009

Festambo em Maio


Dia 08 – 21h30 – Centro Paulo VI – Fátima – Espectáculo de Dança
  • Escola da Dança da Academia de Música Banda de Ourém;
  • Escola de Dança do Conservatório de Artes do Orfeão de Leiria.
Dia 10 – 15h30 – Cine-teatro Municipal de Ourém – XVIII Encontro de Coros Infantis/Juvenis de Ourém

  • Coral Infantil/Juvenil de Ourém;
  • Coral “As Sementinhas” de Monte Abraão;
  • Coral Infantil de Caldas da Rainha.
Dia 17 – 17h00 – Praça Mouzinho de Albuquerque – Ourém – Espectáculo de Música Popular Portuguesa

  • Romeiros (Ourém);
  • A Barca dos Castiços (Coimbra);
  • Pinhal d’el Rei (Leiria).
Apareçam!

04 maio 2009


“Quando estou com alguma dificuldade em escrever vou à praia.”
Pepetela
Leiria, 28 de Abril de 2009

Questionado sobre o que pensava sobre o sentimento (tornado público) de alguns escritores, sobre quão difícil e até doloroso é o acto de escrita (na altura ouviram-se os nomes Lobo Antunes e Saramago por parte da plateia) Pepetela declarou que é coisa que não sente.
Segundo as suas palavras, escrever é um prazer. Quando as palavras certas não aparecem e está perante um impasse faz outra coisa qualquer. Ir à praia foi só um exemplo. O que o escritor quis salientar é que não fica a “sofrer” diante de um papel em branco. A ideia pareceu-me genial, de tão sincera e despretensiosa que é.

Digo-vos que é impossível estar em contacto com alguém como o escritor Pepetela e ficar indiferente (e até não sair de perto dele já diferente). Há nele uma simplicidade universal e uma simpatia que cativa, sem ser completamente evidente.
Que sorte ele ter estado aqui tão perto (de novo).

28 abril 2009

Na hora da solidão

Fotografia de José Ferreira
Na hora da solidão
arrumam-se os medos
em pequenas caixas
pintadas a carvão
pelas mesmas mãos
pelos mesmos dedos
com que se apontam alegrias
em secretos diários de ouro
(esse revelador clarão).

Na hora da solidão
o silêncio.

Na hora da solidão
a luz.

Carmen Zita Ferreira
II Antologia de Poetas Lusófonos,
Ed. Folheto, 2009, pg.74

27 abril 2009

A não perder


O vencedor do Prémio Camões 1997, o angolano PEPETELA, vai estar na Livraria Arquivo, em Leiria, no dia 28, pelas 18h30 horas, para apresentar O PLANALTO E A ESTEPE, seu último romance, baseado em factos verídicos, ficcionados pelo autor. A acção do romance decorre nos anos 60 do século passado e parte de um encontro entre um estudante angolano e uma jovem mongol, do qual nasce um amor proibido.