27 dezembro 2019

conselho

Não entres como turista no coração de uma mulher
a bater fotos
a deixar latas de cerveja
buscando só imensas catedrais
e estátuas transparentes

com a mochila cheia de mapas
e fazendo refeições ligeiras

há um país
sete cidades
uma cordilheira e um inverno
no coração duma mulher

não bebas aí só um copo de mar

não entres no avião
toma o comboio da meia-lua
não reveles ali tuas fotos na hora

se não fizer muito frio
entra nu

não leves chapéu-de-chuva
e sobretudo não cortes árvores
no coração duma mulher
não costumam voltar a crescer.

José María Zonta
in NERVO/1 colectivo de poesia
(tradução de Élia Calvo)

14 outubro 2019

the goal

I can't leave my house
Or answer the phone
I'm going down again
But I'm not alone
Settling at last
Accounts of the soul
This for the trash
That paid in full
As for the fall, it
Began long ago
Can't stop the rain
Can't stop the snow
I sit in my chair
I look at the street
The neighbor returns
My smile of defeat
I move with the leaves
I shine with the chrome
I'm almost alive
I'm almost at home
No one to follow
And nothing to teach
Except that the goal
Falls short of the reach

09 agosto 2019

30 junho 2019

#metáfora 1

"porta fechada
de verde esperança pintada
e eu sem força para a abrir"
Carmen Zita Ferreira

29 janeiro 2019

(descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo)


A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti "então porque não voas?" e
 então tu olhaste depois sorriste
abriste a janela e voaste

A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos e então dissemos
aqui vivemos muitos anos

A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá",
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"

Sérgio Godinho . Pré-histórias

19 janeiro 2019

(lodo e luar)


Surdo, subterrâneo rio de palavras
me corre lento pelo corpo todo;
amor sem margens onde a lua rompe
e nimba de luar o próprio lodo.

Correr do tempo ou só rumor do frio
onde o amor se perde e a razão de amar
surdo, subterrâneo, impiedoso rio,
para onde vais, sem eu poder ficar?

Eugénio de Andrade
(Fundão, 19/01/1923-Porto, 13/06/2005)

14 janeiro 2019