20 dezembro 2008

Dezembro e não Natal


Fotografia de Paulo Damasceno


Tenho estado a observar
o constante deambular
de tantas e tantas almas.
Entram e saem das lojas,
levam sacos cheios de coisas
que hoje compraram,
para nunca vir a usar.

São os seus passos obstinados
que me impressionam
e os olhos em frente focados
como se o horizonte fosse sempre
continuar a comprar.

O que falta ao Homem neste Dezembro?
Afinal, o que nos falta
e parece, sempre, continuar a faltar?


Carmen Zita Ferreira

18 dezembro 2008

Ferida

Fotografia de Órcar Trindade

“(…) os segredos, na Vila Cacimba, não se enterram nunca em cova. Ficam em buraco aberto como ferida que nunca ganha cicatriz.”

Mia Couto
in Venenos de Deus Remédios do Diabo.
Ed. Caminho, Lisboa, Maio de 2008. pg.104

07 dezembro 2008

Sempre a mesma sensação

Breviário de pequenas intenções

Breviário de pequenas intenções:

  • Escrever um conto genial;
  • Parar de jogar com as palavras (como acrescentar um "t" à última palavra supra) enquanto penso em pequenas mas boas intenções.

04 dezembro 2008

hold still



Nem sequer é a minha preferida (longe disso), mas quis seguir o conselho do gatinho ali em baixo.

26 novembro 2008

O poeta

Trabalha agora na importação
e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias.
Podia ser um trabalhador
por conta própria,
um desses que preenche
cadernos de folha azul com
números
de deve e haver. De facto, o que
deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe
acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai
do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol
e exportar as nuvens.
Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas,
de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um
escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que
passa a caminho
da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu;
e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia
interrupção da morte.

Ajude-nos a distribuir sorrisos!

Não custa nada! :)

25 novembro 2008

Interessante



"Quando viajo, para escrever ou por prazer, tento saber o menos possível sobre o sítio para onde vou, para não chegar lá já influenciado. Vou como uma folha em branco."

Vidiadhar Surajprasad Naipaul
(Nobel da Literatura de 2001)
Lisboa, Novembro de 2008

20 novembro 2008

Jogo de espelhos


Fotografia de Carlos Loff Fonseca


Partem-se com promessas de azares
Sucumbidos pelo vento matinal que nos acorda
Às horas em que finalmente julgávamos conseguir dormir.
Para eles olhamos directamente.
Em alguns vemos em nossos pescoços uma corda
Noutros esboçamos o mais belo sorrir.
É um jogo que nem todos conseguem jogar.
Uns nem chegam mesmo a acordar
Quando o vento matinal decide quebrar os espelhos
Que atenciosamente guardam em seus quartos.
Outros julgam que por se não quebrarem os deles
São os espelhos certos
E não chegam a jogar.
Eu
Revejo-me em cada pedaço partido que me reflecte
E julgo não acreditar no azar.

Carmen Zita Ferreira
In Jogo de Espelhos. Ed. Som da Tinta, 2004, pg. 7

18 novembro 2008

O Outono e a fantasia

Uma vez um homem encontrou duas folhas e entrou em casa segurando-as com os braços esticados dizendo aos pais que era uma árvore.
Ao que eles disseram, então vai para o pátio e não cresças na sala pois as tuas raízes podem estragar a carpete.
Ele disse, eu estava a brincar, não sou uma árvore e deixou cair as folhas.
Mas os pais disseram, olha, é Outono.

Russell Edson (1935), in O Túnel
(Tradução de José Alberto Oliveira)

12 novembro 2008

Ouch!


Help, I have done it again.
I have been here many times before.
Hurt myself again today,
and the worst part is there's no one else to blame.

Be my friend,
hold me, wrap me up,
unfold me, I am small and needy,
warm me up and breathe me.

Ouch, I have lost myself again.
Lost myself and I am nowhere to be found.
Yeah, I think I might break.
Lost myself again and I feel unsafe.

Sia – Breath me

31 outubro 2008

There's hope to have, in the past



Why would he come back through the park?
You thought that you saw him, but no you did not.
It's not him coming across the sea to surprise you,
not him who would know where in London to find you.

Sadness so real that it populates
the city and leaves you homeless again.
Steam from a cup and snow on the path,
the seasons have changed from the present to past.

The past...
There's hope to have,
in the past...

Why would he come back through the park?
You thought that you saw him, but no you did not.
Who can be sure of anything through
the distance that keeps you from knowing truth.

Why would he think, the boy could become
the man who could make you sure he was the one?
The one...
My one...
My one...

Feist - The park

30 outubro 2008

Foi o caso 2#

Recebi, este Outubro, um anel como aquele que gostava que um dia me tivesses oferecido.
Usá-lo-ia todos os dias.
Assim usá-lo-ei quase todos, porque julgo que cumpre a sua função: alegra-me a vista, faz-me pensar em ti e aquece-me o coração.

20 outubro 2008

Nota de rodapé em conversa já esgotada

"Subterraneamente, não sei por que te chamei.
Durante alguns dias a noite escondia-se
– sem grande rigor é certo –
numa escrita do silêncio
inacessível, exalando eternidade
e outros instantes do efémero.
Subterraneamente, os dias acabaram
e os objectos transformaram-se
em saliva precária."

Cecília Barreira
Do mar grande e d'outras águas, Ed. Gama, 2006, pg. 68

18 outubro 2008

Foi o caso #1

Foto de Mondenkind

Refazer a folha


Falava-se na nobreza-tipo-musgo.
Falava-se em apetecer, por vezes (muitas vezes?), refazer a folha a alguém.
Falava-se…
Mas há aqueles que conseguem falar melhor do que os outros.
Foi o caso.
Deixo-vos a frase:

"Refazer pode ser interessante, se houver bagagem suficiente para isso.
É como reciclar: embora a nobreza dos materiais possa ser importante, todo o ênfase é posto nos resultados finais."

antónio f.

01 outubro 2008

Walls


Sometimes we put up walls,
not to keep people out,
but to see who cares enough to knock them down.

(autor desconhecido)



24 setembro 2008

Previsão do tempo num litoral incerto

Fotografia de Nuno Abreu


Anunciam-se chuvas,
que cairão formosas e seguras
sobre os telhados que de vidro forem.

Os outros, que de vidro não são,
podem ficar sossegados,
porque sobre eles as chuvas também cairão.

Anunciam-se ventos,
enlaces, casamentos,
festas de despedida
e rituais de iniciação.

Prevê-se a queda de pedras
vindas de todas as veredas
em movimentos antigos
de pura e total condenação.

Caída a noite as ondas
atingirão, animadas
os transeuntes desprevenidos
e escondidos na escuridão.

Madrugada fora naufrágios,
maremotos, maus presságios,
subida da temperatura e geadas:
Esta é a minha previsão.

Carmen Zita Ferreira
in Poiesis XVI - Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea.
Ed. Minerva, Lisboa, Junho de 2008, pg.48

18 setembro 2008

Oscar Wilde #2

Fotografia de Rita Santos
(a propósito de uma tentativa de homicídio mal sucedida, com recurso a engenho explosivo)

“Reconheceu que não havia vantagem em ir à Scotland Yard, porque aí parecia nunca se saber nada sobre os movimentos partidários da dinamite, senão depois de uma explosão.”
WILDE, Oscar. O crime de Lorde Artur Savile e outros contos. Ed. Relógio d’Água, Lisboa, 2007, pg. 31

“Os detectives ingleses são realmente os nossos melhores amigos e eu tenho reconhecido sempre que, confiando na sua estupidez, podemos realizar exactamente o que desejamos. Não podemos dispensar nenhum.”
Idem. Ibidem. pg. 33

“Relógios explosivos não são lá muito boa coisa para exportação estrangeira, porque mesmo que consigam passar sem dificuldades na Alfândega, o serviço de comboios é tão irregular que, por via de regra, explodem antes de atingir o seu verdadeiro destino.”
Idem. Ibidem. pg. 33
"(...) mas ficou a prova bem provada de que a dinamite, como força destruídora, quando sob controlo do mecanismo, é agente poderoso, se bem que pouco pontual."
Idem.Ibidem. pg.36

17 setembro 2008

Oscar Wilde #1

Este Verão li “O crime de Lorde Artur Savile e outros contos” (1891), de Oscar Wilde, numa edição da Relógio d’Água, de Junho de 2007.
Acho incrível como, passado mais de um século, Oscar Wilde consegue ser actual e usar, com uma mestria invejável, umas das mais poderosas armas, a ironia. Na verdade, para mim ler Oscar Wilde é não só um prazer, mas também uma oportunidade de aprender com quem realmente domina a arte da escrita.
Começo aqui uma série citações deste livro, que fui sublinhando e que, apesar de retiradas do contexto, são (na minha opinião) espelho do talento deste autor.
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“(…) na escadaria estavam de pé muitos reais académicos, disfarçados de artistas.”
WILDE, Oscar. O crime de Lorde Artur Savile e outros contos. Ed. Relógio d’Água, Lisboa, 2007, pg. 7
(parte final de descrição de uma sala onde decorria uma festa)
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"Trevor era pintor, coisa a que pouca gente escapa hoje em dia. Mas era também artista e os artistas são mais raros."
Idem. Ibidem. pg. 84

14 setembro 2008

Troca para marcar

Como tinha anunciado aqui, inscrevi-me numa onda de trocas, cujo resultado deveria apresentar hoje, dia 14 de Setembro.
O desafio era fazer um marcador para livros, no material que se quisesse, com uma ilustração/colagem nossa e uma frase ou excerto que nos tivesse marcado (indicando nome do livro e do autor).
Por sorteio, a parceira que me foi atribuída tem um blog que se chama Um quarto de fadas e toda esta experiência, a meu ver resultou muito bem.
Assim, este foi o marcador que enviei à Fada, com a seguinte frase de Mia Couto, no seu mais recente livro “Venenos de Deus e Remédios do Diabo”, da Editorial Caminho (pg. 98):
“O suficiente é para quem não ama. No amor só existem infinitos.”










Este foi o marcador que recebi da Fada, com a seguinte frase, de Clarissa Pinkola Estés, em “Mulheres que correm com os lobos”:
“Ela traz histórias e sonhos, palavras e canções, signos e símbolos. Ela é tanto o veículo quanto o destino.”













E finalmente, aqui vai a minha sugestão de dez livros para ler em 2008:

AUSTER, Paul. O livro das ilusões. Asa Editores, 4.ª edição, Lisboa, 2006.
COUTO, Mia. Venenos de Deus e Remédios do Diabo. Editorial Caminho, 1.ª edição, Lisboa, 2008.
GEDEÃO, António. Poemas escolhidos. Ed. João Sá da Costa, 10.ª edição, Lisboa, 2006.
GUSTAFSSON, Lars. A morte de um apicultor. Asa Editores, 2.ª edição, Lisboa 2001.
MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem anos de solidão. Dom Quixote, 23.ª edição, Lisboa, 2006.
MURAKAMI, Haruki. Sputnik, meu amor. Casa das letras, 6.ª edição, Lisboa, 2008.
SANTIS, Pablo de. A Tradução. Asa Editores, 1.ª edição, Lisboa, 2000.
SEPÚLVEDA, Luis. Crónicas do Sul. Asa Editores, 1.ª edição, Lisboa, 2008.
WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Relógio d’Água, Lisboa, 1998.
ZOLA, Émile. Thérèse Raquin. Círculo de Leitores, Lisboa, 1973.

Directamente para a Fada, quero agradecer o marcador e toda a simpatia revelada. A nossa “troca” marcou-me, realmente.
À Su, da Teia de Ariana, parabéns pela excelente ideia.

03 setembro 2008

Setembro


Fotografia de Nuno Abreu


Era Setembro
ou outro mês qualquer
propício a pequenas crueldades:
a sombra aperta os seus anéis.
Que queres tu ainda?
O sopro das dunas sobre a boca?
A luz quase despida?
Fazer do corpo todo
um lugar desviado do inverno?

Eugénio de Andrade
in Poesia, Ed. Fundação Eugénio de Andrade,
2.ª edição, 2005, pg.341

18 agosto 2008

Vaga mágoa




Paira à tona de água
uma vibração.
Há uma vaga mágoa
no meu coração.

Não é porque a brisa
ou o que quer que seja
faça esta indecisa
vibração que adeja;

Nem é porque eu sinta
uma dor qualquer.
Minha alma é indistinta,
não sabe o que quer.

É uma dor serena,
sofre porque vê.
Tenho tanta pena!
Soubesse eu de quê!...

Fernando Pessoa
in Poesia 1918-1930, Ed. Assírio & Alvim,

Lisboa, 2005, pg. 296

06 agosto 2008

Dê, vai ver que não dói nada




Desde 15 do passado mês de Julho que a AMI lançou ao público um projecto de recolha de óleos alimentares usados, que conta já com a participação de milhares de restaurantes, hotéis, cantinas, escolas, Juntas de Freguesia e Câmaras Municipais.
A AMI dá com este projecto continuidade à sua aposta no sector do ambiente, como forma de actuar preventivamente sobre a degradação ambiental e sobre as alterações climáticas, responsáveis pelo aumento das catástrofes humanitárias e pela morte de 13 milhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
Os estabelecimentos que pretendam aderir, recebendo recipientes próprios para a deposição dos óleos alimentares usados, deverão telefonar gratuitamente para o número 800 299 300.

Para participar neste projecto da AMI:

- Junte o óleo alimentar que usa na sua cozinha numa garrafa de plástico e entregue-a quando estiver cheia num dos restaurantes aderentes. Os restaurantes estão identificados e a lista completa está disponível aqui (são já 5 os locais onde o poderá fazer no Concelho de Ourém, por exemplo).

Fonte: http://www.ami.org.pt/
Fundação AMI
Rua José do Patrocínio, 49 1949-008 Lisboa Tel. 218 362 100 Fax 218 362 199E-Mail: reciclagem@ami.org.pt

Troca para marcar


Estou inscrita numa "onda de trocas" bem interessante, na sequência de um desafio da teia de ariana. Eis os pormenores:


Tema: TROCA PARA MARCAR
Regras:
1) Fazer um marcador para livros, no material que se quiser,com uma ilustração/ colagem nossa e uma frase ou excerto que nos tenha marcado (indicando nome do livro e do autor) e assinar;
2) Acrescentar uma pequena lista de sugestões de livros para leitura de férias... ou sem ser de férias.


Inscrições: até dia 3 Agosto;
Divulgação dos parceiros: 4 de Agosto;
Prazo de envio dos marcadores de livros: até final do mês de Agosto;
Dia da postagem do que se enviou e recebeu, para todos, nos seus blogs: 14 de Setembro.


Os parceiros foram divulgados e por incrível que pareça, o sorteio ditou que o meu par tivesse um blog chamado um quarto de fadas. Vou tentar cumprir todas as regras... Prometo.

15 julho 2008

Regresso


Fotografia de Nuno Abreu

Regresso

Afasto-me do mar
que apaga minhas pegadas
sempre que dele me estou a afastar.
Ganha nova força
e sobe até à marginal
este velho conhecido que me atrai,
que me sussurra ao ouvido:
“Voltarás!
Essa pegada já se foi
mas outras um dia marcarás!”

É sábio o meu amigo.
E com frases sábias me encanta
enquanto limpa da areia meus pés
como se esta fosse uma sagrada manta.
Minhas marcas já ninguém vê.
Só o mar sabe que até ele desci.
No meu regresso só ele crê
pois só ele me sentiu por aqui.

Carmen Zita Ferreira
in Do mar grande e d’outras águas,
Gama Ed., 2006, pg.39

01 julho 2008

Verão

Fotografia de Nuno Lopes

O livro aberto esquecido na relva,
o sol mordido das amoras bravas,
a voz húmida e lenta dos rapazes,
os degraus por onde a sombra desce.


Ouço-as como se ouvisse chegar o verão,
seus inumeráveis dedos correm pelos dias
ou pelas noites com as águas dentro;
Ouço essas vozes, esse rumor de luzes
subir no escuro, tropeçar nos vidros,
com a manhã alta cair nas areias,
morder os muros, arder endoidecido.

Eugénio de Andrade
in Poesia, Ed. Fundação Eugénio de Andrade,
2.ª edição, 2005, pg.335

23 junho 2008

The Racounteurs


you gotta learn to live, and live and learn
you gotta learn to give, and wait your turn,
or you' ll get burned

16 junho 2008

Exaltação

Venha!
Venha uma pura alegria
Que não tenha
Nem a senha
Nem o dia!

Abra-se a porta da vida
Sem se perguntar quem é!
E cada qual que decida
Se quer a lama aquecida
No lume da nova fé.

Venha!
Venha um sol que ninguém tenha
No seu coração gelado!
Venha
Uma fogueira de lenha
De todo o tempo passado!

Miguel Torga
in Libertação, 4.ª edição, Coimbra, 1978, pg.16

Fotografia de Nuno Abreu

30 maio 2008

You can never hold back spring


"És tu a Primavera que eu esperava,

A vida multiplicada e brilhante,

Em que é pleno e perfeito cada instante."

Sophia de Mello Breyner

(Para a família S.)

12 maio 2008

A song from the darkest hour

Those who feel the breath of sadness
Sit down next to me
Those who find they’re touched by madness
Sit down next to me
Those who find themselves ridiculous
Sit down next to me
In love, in fear, in hate, in tears
James - Sit down
Foto: Fernanda Figueiredo

08 maio 2008

Promessa



Fotografia de Nuno Abreu

Na ribeira que sulca
os leitos deste labirinto
procuro a cesta de vime
que suavemente te trará
até mim.
Deixa-te embalar pela corrente
até ao calor do rubro abrigo
que te aguarda, meu bem.
Na encruzilhada de três rios
que encontrarás na viagem
ao fundo de ti,
antes de continuares
pelo fabuloso caminho,
em recolhimento reflecte
e depois escolhe uma qualquer rota,
meu infante,
porque o destino te trará aqui.
Entretanto eu esperarei
e dia após dia guardarei
todos os tesouros
que para ti estão reservados:
Reino encantado, com nuvens de chocolate,
refúgios de luz escarlate
e translúcidos lagos.

Carmen Zita Ferreira
in Do mar grande e d’outras águas,
Ed. Gama, 2006, pg.42

02 maio 2008

made in portugal


Augusto Cid ganhou o grande prémio do X Porto Cartoon World Festival, com o desenho de um atleta olímpico chinês, que carrega uma chama olímpica feita de monges budistas.
Para nós a qualidade gráfica do português Augusto Cid, bem como a actualidade dos seus trabalhos já não são novidade e é com grande agrado que recebemos a notícia da atribuição de mais um prémio, que reconhece o seu talento.

All I need



25 abril 2008

Questão


Agora que Abril é nosso
e as palavras teimam
em não se transformar em actos,
quem é que se apropria de factos
que em nada da sua vida
se reflectem?

Agora que Abril nasceu
para aqueles que o não fizeram,
quem nos quer tapar os olhos
com lantejoulas, brilhantina e folhos
enquanto suaves tiranias
se cometem?

Carmen Zita Ferreira
Abril’2008

Fotografia de PlasticBag

23 abril 2008

Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor

Páginas enfeitiçadas


"Numa ocasião ouvi um cliente habitual comentar na livraria do meu pai que poucas coisas marcam tanto um leitor como o primeiro livro que realmente abre caminho até ao seu coração. Aquelas primeiras imagens, o eco dessas palavras que julgamos ter deixado para trás, acompanham-nos toda a vida e esculpem um palácio na nossa memória ao qual, mais tarde ou mais cedo - não importa quantos livros leiamos, quantos mundos descubramos, tudo quanto aprendamos ou esqueçamos-, vamos regressar. Para mim aquelas páginas enfeitiçadas serão sempre as que encontrei entre os corredores do Cemitério dos livros esquecidos."



in A Sombra do Vento de Carlos Ruiz Zafón
Dom Quixote
Foto: Sandrine Huet

14 abril 2008

Memorável

Fotografias de José Goulão


Noite de 12 de Abril, Coliseu dos Recreios, um notável e fabuloso espectáculo.
David Fonseca prometeu um espectáculo pensado do princípio ao fim e cumpriu a promessa.
Em jeito de introdução, num pequeno e intimista vídeo, realizado pelo próprio cantor, este convida-nos a entrar no seu mundo, onde o ponto de partida é sempre difícil de tomar e onde o ponto de chegada não é o mais importante, porque é o caminho que o fascina.

Acabado o vídeo, entram em palco quatro mariachis, muito para lá de divertidos, a fazer adivinhar o tema “4th Chance”, onde David Fonseca explorou os sons dos instrumentos de sopro. Não poderia ter começado de melhor maneira este espectáculo, que teve a invulgar capacidade de ir surpreendendo o público, em cada pormenor, até ao grandioso final.
Os dez primeiros temas foram singles efusivamente cantados pelo público. Pelo meio, a habitual e inquietante versão de “Song to the Siren”, com o pormenor cénico da descida de lâmpadas sobre o público, a meio da sala, que se acenderam ao levantar do braço de David Fonseca em direcção às mesmas, com uma lâmpada já acesa, na sua própria mão.



A certa altura David Fonseca afirmou que não leva inéditos só ao Texas e que também queria brindar o público do Coliseu com um tema inédito, desta feita com o título, ainda provisório, “Orange Tree”.
De destacar também o momento em que todos vibraram com a música “This raging light”, enquanto um grupo de bailarinos/as, dançavam (um dos quais em cima do piano da Rita Redshoes) sob várias esferas de espelhos disco e ainda o momento em que o cantor confessa que, no passado, desejara ser "agente secreto".





No final, num obrigatório encore, David Fonseca surge no palco, de pijama, sentado numa cama, sob bolinhas de sabão, com uma viola acústica, para cantar, como se estivéssemos no seu quarto, o tema “Dreams in colors”. Terminada música David disse “Lisboa, estou cansado” e deitou-se na cama. Apagaram-se a luzes do palco…



Parecia que tudo tinha terminado ali, num sono profundo do artista. Mas não, o espectáculo culmina, num sonho real, com todos os elementos do grupo mascarados, onde David Fonseca passa a mensagem de que, nos seus sonhos, estará sempre com o público que com ele viveu aquela noite, presenteando o mesmo com uma versão do tema “Together in electric dreams”, de Philip Oakey.
Na verdade, penso que o público levou a sério esta mensagem (we’ll always be together) e quando o espectáculo sair em DVD poucos serão os que não quererão preservar esta noite como sua e recordá-la sempre que assim o desejarem.

1.ª parte

A primeira parte do espectáculo no Coliseu coube à Rita Redshoes que, mais uma vez, espalhou pela sala repleta de público o seu “charme generalizado” (usando as palavras do próprio David Fonseca).
Cada vez mais segura em palco, Rita Redshoes intensifica a cada espectáculo que passa a sua expressividade e a sua capacidade de comunicação, o que só vem confirmar aquilo que tínhamos adivinhado aquando da sua estreia, a 12 de Outubro passado, aqui.
Longe de estar apenas à espera de David Fonseca, o público do Coliseu esteve, desde o início, em sintonia com Rita Redshoes e o seu grupo, acompanhando-os com palmas e entoando as melodias do recém-editado “Golden Era”.

12 abril 2008

longa espera


Fotografia de Zé Diogo e Diamantino Jesus (DiDiArte)

Somos árvores
só quando o desejo é morte.
Só então nos lembramos
que Dezembro traz em si a primavera.
Só então, belos e despidos,
ficamos longamente à sua espera.

Eugénio de Andrade
in Poesia, Ed. Fundação Eugénio de Andrade,
2.ª edição, 2005, pg. 20

07 abril 2008

Desafio musical

Recebi da Teia de Ariana um desafio: escolher seis (apenas seis) músicas que marcaram as nossas vidas.
Quando estava a transcrever o poema e a ouvir a melodia da música do anterior artigo, percebi que, sim, essa (Postcards from Italy) seria uma das que colocaria na minha lista pessoal.
E foi com grande alegria que reparei que, assim sendo, muitas outras ainda estarão para vir e tomar o seu lugar na minha lista de futuro.
Gostei da ideia e decidi, finalmente, procurar as seis músicas que mais me marcaram até hoje.
Qual seria o critério de escolha?
As melhores, as mais perfeitas, as mais consagradas?
Não. Decidi escolher aquelas que já me fizeram chorar, as que provocam no meu coração uma alegria que me faz (ainda hoje) querer pular, as que me arrepiam e as que transformaram o meu pequeno mundo.
Assim sendo, aqui vai a lista, sem nenhuma música dos Beirut (ainda) e ordenada arbitrariamente:

- Por quem não esqueci – Sétima Legião;
- Les Mystérieuses Cités D'Or (tema dos desenhos animados com o mesmo nome);
- Shiny Happy People - R.E.M.;
- Linger - The Cranberries;
- They Dance Alone – Sting;
- Noite de Verão – Trovante.

Devo dizer que à conta deste desafio já ri e já me fartei de chorar! Não quero de maneira alguma provocar tais sensações à Justine e à Tanita, mas é precisamente a elas que vou passar o desafio, por mera e sincera curiosidade.












04 abril 2008

sublime


The times we had

Oh, when the wind would blow with rain and snow

Were not all bad

We put our feet just where they had, had to go

Never to go

The shattered soul

Following close but nearly twice as slow

In my good times

There were always golden rocks to throw

at those who admit defeat too late

Those were our times, those were our times

And I will love to see that day

That day is mine

When she will marry me outside with the willow trees

And play the songs we made

They made me so

And I would love to see that day

Her day was mine .

Beirut

Má notícia

É pena, mas parece que isto é mesmo verdade.

01 abril 2008

Lies

“Now here's the sun, it's alright!

Lies, lies! (…)

Every time you close your eyes,

Lies, lies!”

Arcade Fire

29 março 2008

Barco fantasma


Fotografia de David Ligeiro


Barco fantasma

Vai vazia esta alma
Descarregada em seus porões,
De tesouros, de sentimentos,
De vozes e de emoções.
Vai vazia esta nau
Despojada de bandeira
Com rumo de sem eira nem beira,
Acompanhando, imóvel,
A única voz solitária
Do passado.
O eco é a sua viagem.
Não naufraga,
Não nada.
Não há termo para o deambular.
Como vai vazia aquela alma.
Como se arrasta aquela nau.

Susana Júlio
"Do mar grande e d'outras águas". Ed. Gama, 2006, pg. 97


Há palavras que, em certos dias, fazem todo o sentido.