23 novembro 2018

not me

Fotografia de Eduardo Barrento

#provadevida 3


#bandasonoradeviagem 33


Espera sempre dos momentos
Alguma coisa que ao passar
te leve mais além
A mais algum conhecimento
Mas não queiras salvamento
se faltar a alguém
Dança o teu azar
enterra-o por aí
Vem passar por dentro
da tempestade
Lança-te a voar
nada como abrir
as asas ao vento
e aprender a cair
Convence o próprio pensamento
a abrir as portas para passar
sem vetar ninguém
Cada Ser seu sentimento
e talvez o salvamento
nos salve a nós também

09 novembro 2018

(do silêncio)


A PALAVRA
“Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.

Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.”
Carlos Drummond de Andrade
In “Obra poética”, 4.º vol.
Publicações Europa-América, p. 250

(das palavras)

"Certas palavras não podem ser ditas
em qualquer lugar e hora qualquer.
Estritamente reservadas
para companheiros de confiança,
devem ser sacralmente pronunciadas
em tom muito especial
lá onde a polícia dos adultos
não adivinha nem alcança.
Entretanto são palavras simples:
definem
partes do corpo, movimentos, actos
do viver que só os grandes se permitem
e a nós é defendido por sentença
dos séculos.
E tudo é proibido. Então, falamos."
Carlos Drummond de Andrade,
In 'Boitempo'

02 novembro 2018

(hope)

"Hope there's someone
Who'll take care of me
When I die, will I go

Hope there's someone
Who'll set my heart free
Nice to hold when I'm tired

There's a ghost on the horizon
When I go to bed
How can I fall asleep at night
How will I rest my head

Oh I'm scared of the middle place
Between light and nowhere
I don't want to be the one
Left in there, left in there

There's a man on the horizon
When I go to bed
If I fall to his feet tonight
Will allow rest my head

So here's hoping I will not drown
Or paralyze in light
And godsend I don't want to go
To the seal's watershed

Hope there's someone
Who'll take care of me
When I die, will I go

Hope there's someone
Who'll set my heart free
Nice to hold when I'm tired"
Antony & The Johnsons

(deixa passar a vida)

Ode à Paz
"Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,

Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!"
Natália Correia,
in "Inéditos (1985/1990)"

(aí estou eu)

"Na vastidão do universo espiral
Nos segmentos de uma distância mito
Na proporção das metades e outras literaturas
Nessa convergência de encenações e de fotos
Aí estás método de alucinação e cicio
Aí estás no desnorte dos timbres
Nas extrapolações de portas para o infinito
Aí estás nas estradas de absinto
Metáfora de nenhures aprendizagem
de despedidas e encontros calmos
Recordações dessa tua infância forrada
de imagens , livros , apreensões do corpo
Engoles a ansiedade com a força de eurídice
Aludes ao passado como ulisses nos seus portos
És a infanta tangível do sol e das estrelas
Percorres os gestos na amplidão do esotérico
Musa dos locais de poesia e do encontro de palavras
Musa do infalível
Musa da emulsão
Infanta dos desertos sem continentes
nem cisnes nem prosódias nem cheiros
nem opacidades nem vertigens
nem ramagens nem jogos
nem urzes nem iludidos lírios
nem silêncios nem ventos
nem celeridade das pedras recordadas
nem as esquecidas nem as mais amadas"
Cecília Barreira