22 setembro 2013

mudança de estação

mudança de estação

para te manteres vivo – todas as manhãs
arrumas a casa sacodes tapetes limpas o pó e
o mesmo fazes com a alma – puxas-lhe brilho
regas o coração e o grande feto verde-granulado

deixas o verão deslizar de mansinho
para o cobre luminoso do outono e
às primeiras chuvadas recomeças a escrever
como se em ti fertilizasses uma terra generosa
cansada de pousio – uma terra
necessitada de águas de sons de afectos para
intensificar o esplendor do teu firmamento

passa um bando de andorinhões rente à janela
sobrevoam o rosto que surge do mar – crepúsculo
donde se soltaram as abelhas incompreensíveis
da memória

luzeiros marinhos sobre a pele – peixes
que se enforcam com a corda de noctilucos
estendida nesta mudança de estação.

Al Berto
In «Horto de Incêndio» (poesia), colecção «peninsulares / literatura» (n.º 49),
Assírio & Alvim, Lisboa, junho de 1997 (2.ª ed.), pg. 52

fotografia de Nuno Abreu

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