09 dezembro 2010

Quisera que me entendesses sem palavras.
Falar-te sem palavras, como se fala à minha gente.
Que a mim me entendesses sem palavras
como eu entendo o mar ou a brisa enlaçada num álamo verde.

Perguntas-me, amigo, e não sei responder-te;
há muito que aprendi fundas razões que não entendes.
Revelá-las quisera, pondo o sol invisível em meus olhos,
a paixão com que a terra doura seus frutos ardentes.

Perguntas-me, amigo, e não sei a resposta que hei-de dar-te.
Sinto arder louca alegria nesta luz que me envolve.
Quisera que a sentisses também a inundar-te a alma,
quisera que a ti, no mais fundo, também te queimasse e te ferisse.
Criatura também de alegria eu quisera que fosses,
criatura que chega por fim a vencer a tristeza e a morte.

Se agora eu te dissesse que havia de andar por cidades perdidas
e chorar em suas ruas escuras por se sentir débil,
e cantar sob uma árvore de estio os teus sonhos sombrios,
e sentir-te feito de ar e nuvem e erva muito verde...

Se agora eu te dissesse
que é tua vida essa rocha em que as ondas se quebram,
a própria flor que vibra e se enche de azul sob o claro nordeste,
aquele homem que vai pelo campo nocturno com uma tocha,
o menino que açoita o mar com a mão inocente...

Se eu te dissesse, meu amigo, estas coisas,
que fogo porias em minha boca, que ferro incandescente,
que odores, cores, sabores, contactos, rumores?
E como saber se me entendes?
Como entrar em tua alma, quebrando o seu gelo?
Como fazer-te sentir a morte vencida para sempre?
Como penetrar em teu inverno, levar o luar à tua noite,
Pôr em tua escura tristeza labaredas celestes?

Sem palavras, amigo; tinha que ser sem palavras
para tu me entenderes.

José Hierro
(1922-2002)
Tradução de José Bento

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