08 junho 2010

Mocidade Portuguesa (ou o discreto revivalismo que nos entra pelos olhos dentro)

A notícia de que, em Aveiro, mais de 1200 crianças se vão vestir com fardas da Mocidade Portuguesa, para comemorar os 100 anos da Implantação da República deixou-me boquiaberta.
Já cheguei a pensar que se as pessoas que mais fizeram pela Implantação da República em Portugal, no início do séc. XX, soubessem o que iria acontecer nas décadas seguintes, concretamente no Estado Novo, não teriam lutado para que tal se efectivasse. No entanto, no início do séc. XX, era impossível prever tais desenvolvimentos (há que fazer a ressalva). Agora, em pleno séc. XXI, o que leva um Agrupamento de Escolas a organizar um evento destes? Com tantos aspectos positivos a destacar, nos últimos 100 anos, qual o objectivo desta iniciativa?
Se “apenas um pai manifestou que não gostaria de ver a sua filha vestida com aquela indumentária”, conforme disse a responsável pelo projecto, então estamos mal. Há realmente qualquer coisa que me faz ter a certeza de que, muitas vezes, não há qualquer vantagem em alinhar com a maioria e que, por muito que nos possa custar, há algumas propostas do meio escolar que temos mesmo que recusar.

3 comentários:

Pedro disse...

Será algo assim tão descabido?
É verdade que a Mocidade Portuguesa foi criada numa altura menos nobre da nossa democracia, e que, o culto ao Estado Novo e a Salazar era a sua finalidade implícita, quase óbvia mas não estrutural.
Mas o seu intuito principal não era assim tão aberrante como querem fazer parecer:

"Pretendia abranger toda a juventude - escolar ou não - e atribuia-se, como fins, estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina, no culto dos deveres morais, cívicos e militares."
Nesta pequena descrição retirada da Wikipédia, vejo tudo aquilo que não existe nos pequenos e menos pequenos que se têm vindo a educar por terras Lusas. Não sei se concorda, mas ao que me parece, o sistema educativo Português está numa decadência de tal ordem que deixa qualquer um com náuseas. Cada vez mais, os dito letrados não passam de iletrados com diploma. Seja ele fornecido por uma qualquer Nova Oportunidade ou por um exame de 6º do cagalhoto em que alunos do 4º não teriam dificuldades em fazer.

É um facto que não convivo com muita gente que por lá tenha passado, mas das poucas opiniões que ouvi, ninguém deu o seu tempo por perdido, e salientam as amizades que lá fizeram.

Perdoem-me o desabafo, mas numa era em que existe tão pouca ordem, disciplina, civismo, moral, etc.etc. não me parece assim tão mal que os pequenos se apercebam que em tempos, o rumo era outro. Quem o viveu que diga se melhor ou pior.

©carmen zita disse...

Caro Pedro, em primeiro lugar, muito obrigada por expor o seu ponto de vista.
Vamos então ao que penso sobre o que diz.
Na minha opinião este revivalismo é realmente descabido.
Na descrição do fenómeno que cita, ao falar do “intuito principal”, penso que a palavra-chave é “Pretendia”.
Passo a explicar o meu raciocínio:
1) Se pretendia abranger toda a juventude, é sabido que não resultou.
Quantos jovens em Portugal tiveram, naquele tempo, acesso às actividades de estimulação do “desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina, no culto dos deveres morais, cívicos e militares”?
O que dizer daqueles a quem foi vedado o acesso à educação (digo-lhe que foram a grande maioria) apesar de mostrarem na escola mais capacidade do que aqueles a quem era dada hipótese de seguir nos estudos?
Quanto ao sistema actual (e concordando consigo quando mostra que não é um sistema perfeito), pelo menos é dada a hipótese a todos de aprenderem. Para mim, ao ser um sistema que proíbe as crianças de 10 anos de deixarem os estudos para irem trabalhar é já e sem sombra de dúvida, um melhor sistema do que aquele do tempo da Mocidade Portuguesa.
2) O culto ao Estado Novo e a Salazar, apesar de não estar na citação que transcreve, era, como bem diz, uma finalidade implícita e não podemos ignorá-la quando apetece.

3) Claro que quem passou pela Mocidade Portuguesa gostou do seu tempo de juventude e fez lá grandes amizades. Também aqueles que lutaram na Guerra do Ultramar (os que voltaram) vieram de lá com grandes amizades. Mas isso torna a guerra positiva?

Diga-me também, em 100 anos de República em Portugal, o agrupamento de escolas de Aveiro não se podia ter lembrado de outro momento da nossa História mais positivo para ser evocado?
E sabe o que é que é mesmo positivo, Pedro? É eu poder estar a analisar publicamente este tipo de assuntos, com um jovem que valoriza a ordem, a disciplina e a educação, pesando os pós e os contras da nossa situação actual, sem termos medo de ser presos mais logo. Na Mocidade Portuguesa seria assim?
Um “viva!” à República e um “viva!” à Liberdade.

me disse...

A devoção à Pátria, o sentimento da ordem, o gosto da disciplina, o culto dos deveres morais, cívicos e militares são, por natureza, contrários e/ou impeditivos do desenvolvimento integral da capacidade física e formação do carácter dos jovens. os deveres e as regras devem ser compreendidas pelos jovens de modo a se consciencializarem ao seu cumprimento, são sempre um contra-poder face à individualidade (que não é o mesmo que egoísmo, como tantas vezes é confundido).
pois, os escuteiros também são muito lindos, nos seus uniformes...