13 junho 2011

um grande barulho ao contrário


Andei a abrir “ao calhas” (essa belíssima expressão) os livros de poesia do Fernando Pessoa que tenho cá por casa (nota mental: organizar todas as minhas estantes por temas/autores um destes dias).
A marcar uma página, um postal editado pela Som da Tinta, em 2001, com um desenho do poeta, feito a tinta preta por Mário Alberto (quem conhece a colecção de postais da Som da Tinta sabe do que estou a falar).
Queria deixar aqui um poema de Fernando Pessoa, hoje, no 123.º aniversário do seu nascimento. É esse mesmo, que estava marcado, sei lá bem desde quando, que aqui vai ficar. Destacarei os versos que no livro estão sublinhados a lápis de carvão.

Ali não havia electricidade.
Por isso foi à luz de uma vela mortiça
Que li, inserto na cama,
O que estava à mão para ler –
A Bíblia, em português, porque (coisa curiosa) eram protestantes.
E reli a Primeira Epístola aos Coríntios.

Em torno de mim o sossego excessivo das noites de província
Fazia um grande barulho ao contrário,

Dava-me uma tendência do choro para a desolação.

A Primeira Epístola aos Coríntios…
Reli-a à luz de uma vela subitamente antiquíssima
E um grande mar de emoção chorava dentro de mim…

Sou nada…
Sou uma ficção…
Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?
“Se eu não tivesse a caridade”…
E a soberana voz manda, do alto dos séculos,
A grande mensagem com que a alma fica livre…
“Se eu não tivesse a caridade”…
Meu Deus, e eu que não tenho a caridade!

20-12-1934
Álvaro de Campos

In “Poemas de Álvaro de Campos”
Ed. Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1992, pg.142

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